quarta-feira, 17 de junho de 2015

A tosquia










Foi no mês passado. Vi tudo como se tivesse sido a primeira vez com o olhar atento, o olfacto apurado e o coração aberto. Eram dois, os senhores. Bem castiços. O tosquiador, de fones nos ouvidos para se proteger do ruído da máquina, trabalhava incansavelmente, manuseando o instrumento com uma mestria precisa e lidava com as ovelhas de uma maneira firme mas mansa, que as aquietava. Um deleite, para uma novata nestas lides. O outro, conversador como só ele, penso que devido a um tinto mais carregado ao almoço, falava daquela vida como se fosse uma arte, mas percebia-se que falava mais do que trabalhava. Eu escutava, sorridente, mas filtrava a conversa, esperando ansiosa que o outro senhor terminasse a tarefa de tosquiar as 5 ovelhas para lhe fazer as minhas perguntas. Percebi que ele não estava à espera de tanto interesse naquela actividade, desacostumado que está a ele e acostumado que está a fazer o serviço quase de forma instintiva diante de pessoas ávidas de que ele o acabe para prosseguirem as suas tarefas. O plano é livrar as ovelhas do desconforto da lã e do calor e receber o xelim em troca dela. Se antigamente era o tosquiador que pagava pela tosquia, agradecido por ter lã para ir vender a quem a comprasse para a transformar, hoje em dia tem de se lhe pagar porque é tarefa que não compensa em termos monetários. Disse-nos ele que aquela lã vai toda directamente para a China, em contentores. Que desapontamento. Queria acreditar que a nossa lã teria um destino mais digno, mas não... Bem longe estou dessa realidade, mas gostaria de acreditar que alguém iria pegar naqueles velos, sentir-lhes o odor forte, lavá-los demoradamente e sujeitá-los a todo o processo que é necessário para os transformar até que alguém os vestisse num casaco de lã ou cobrisse as pernas com uma manta quentinha. Mas parece que não... Parece que é ensacada, bem acalcada para caber em maior quantidade, metida em contentores numerados e enviados para um destino longínquo onde, quem a trabalha, apenas lhe vai conhecer as partes mais pobres para a transformar em produtos baratos e as partes mais nobres irão para outros destinos luxuosos. Enfim, assim é o comércio, assim é a lei do dinheiro que governa o mundo, mas assim não é o coração de uns poucos que têm amor à qualidade e à arte, amor às origens e ao que é verdadeiro. Louvo esses poucos e junto-me a eles em solidariedade artesanal e, quando a oportunidade surgir, aprender com eles também.

5 comentários:

  1. Olhe que as minhas ovelhinhas precisavam desses dois senhores!! Por aqui, elas são tosquiadas com tesoura, mas de facto não tem nada a ver:)
    Beijinho

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    1. Sim, acredito que não tenha nada a ver, mas tem outro mérito. Fazer esse trabalho à tesoura, só mesmo para os bravos! É a Manuela que faz a tosquia?! Beijinhos.

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    2. Nãããooooo!!!! Mas o marido ajeita-se:):) Eu só dou apoio, eh,eh! Beijinho

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  2. Não fazia ideia que era esse o destino da "nossa" lã...
    Espero que se consigam recuperar tradições...

    Bom Dia!

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    1. Eu acredito que há por aí um grupo de pessoas que as mantém e recupera sim, embora sem grande visibilidade... Mas o meu louvor para elas! Bom fim de tarde.

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